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Perfil - Clóvis Pereira, um homem feito de música

Uma vida baseada em notas musicais e determinação levaram o compositor a escrever uma história de sucesso e amor pela cultura nordestina.

O compasso bem marcado e a sonoridade inconfundível da obra “Mourão” são marcas registradas da Orquestra Criança Cidadã Meninos do Coque. Desde a sua criação, em 2006, o grupo executa a peça e fez dela o seu tema principal. Mas você sabe quem é o gênio por trás da grande criação? O Perfil da 18º edição da Revista Criança Cidadã apresenta Clóvis Pereira, o compositor desta célebre obra, e traz detalhes da sua vida e carreira musical.

Ser feliz, para um compositor, é começar a escrever. Só se sabe o ponto de partida, que é quando a primeira ideia vem à mente. Depois das notas iniciais, uma melodia enlaça-se à outra, como se estivessem de mãos dadas. É preciso primar pela continuidade para dar vida à música, e, quando se esgotam todos os pensamentos, está pronta a obra. É dessa forma que o compositor, regente e instrumentista Clóvis Pereira, no auge dos seus 83 anos, encara a vida e a produção musical. O senhor simpático de olhos concentrados e fala pausada tomou para si o significado mais fiel da palavra determinação, fazendo dela o ingrediente principal de sua trajetória.

Clóvis nasceu no dia 14 de maio de 1932, na cidade de Caruaru, Agreste de Pernambuco. A música surgiu na sua vida mesmo antes de ele vir ao mundo. O pai, Luiz Gonzaga dos Santos, mais conhecido como Seu Luizinho, era projetista dos cinemas Caruaru e Santa Rosa, além de tocar violão e ocupar o cargo de clarinetista da Banda Musical Nova Euterpe Caruaruense. A mãe, Dona Maria do Carmo, quando solteira, fora cantora do bloco carnavalesco Corações Melodiosos, também de Caruaru.

Seu Luizinho e Dona Maria se conheceram nas festas do bloco — ela cantando, ele tocando violão. Assim, namoraram, casaram e tiveram quatro filhos. O primogênito, Clóvis, foi o único a seguir a carreira musical. Desde muito cedo, com cinco anos, já era levado pelo pai para assistir às esporádicas apresentações de música no Cine Santa Rosa.

Na adolescência, o primeiro instrumento aprendido pelo garoto foi a gaita de boca. Com o pai, aprendeu a solfejar — cantar as notas era um exercício que achava divertido. “A música, para mim, era um passatempo. Nunca pensei em levar a sério, ser um grande músico. Mas sempre gostei muito de estudar e ouvir canções”, lembra Clóvis Pereira.

O desejo da mãe era que o garoto fosse médico ou advogado, mas nenhuma dessas profissões o apetecia. A decisão de investir na carreira musical surgiu a partir da soma de dois momentos: quando o menino assistiu ao filme “A noite que sonhamos”, que apresentava a biografia do músico Frédéric Chopin; e ao conferir as sessões musicais do pianista caruaruense Iêdo Alves, na Livraria Brasil, em Caruaru.

Determinado a musicalizar-se, tomou aulas com a professora de piano Djanira Barbalho. Clóvis não tinha o instrumento em casa; por isso, sempre que tinha oportunidade, estudava como podia — no cinema, onde o pai trabalhava, ou na casa de amigos. “Não podia ver um piano que já queria abrir, mexer nas teclas, tentar tocar alguma música”, conta.

No ano de 1948, o jovem Clóvis seguiu os passos do pai e ingressou na Banda Euterpe Jazz como pianista. Aos 16 anos, começava a trilhar a carreira de músico profissional.

A VIDA NO RECIFE - Em 1950, Clóvis finalizou o ensino médio no Recife. Nessa época, começou a frequentar o auditório da Rádio Clube de Pernambuco e, em pouco tempo, foi contratado como solista de gaita, atuando no programa Variedades Fernando Castelão. Ele foi o primeiro profissional de gaita a se apresentar em um programa de rádio no Norte e Nordeste brasileiros.

Após seis meses na Rádio Clube, seguiu para a Rádio Jornal do Commercio. Um ano depois, ganhou um contrato de músico profissional, tocando gaita e piano em um programa matinal diário. Passados alguns meses, Clóvis foi convidado a integrar a Jazz Band Acadêmica de Pernambuco, tornando-se seu maestro em seguida. “Aos 18 anos, diziam que eu era o regente mais jovem do Brasil. Foi uma alegria enorme. Nessa fase, eu ficava impressionado por ser tão jovem e ganhar um salário maior do que o do meu pai”, diz o músico.

Trabalhando na Rádio Jornal, ele seria apresentado a uma das pessoas mais importantes da sua carreira, o maestro César Guerra-Peixe, que estava no Recife para estudar a música e o folclore nordestinos. Guerra-Peixe iria apresentar, na mesma rádio, um programa sobre os ritmos brasileiros. Clóvis tornou-se seu aluno de composição e orquestração.

O gosto pela música popular era inerente ao jovem e os estudos com Guerra-Peixe potencializaram essa paixão. “Na época, não havia televisão no Recife, tudo acontecia na rádio. O veículo recebia grande influência do Sudeste e vivíamos um período de pós-Segunda Guerra Mundial, em que a música americana era exaltada em todos os lugares. Guerra-Peixe começou a abrir os olhos dos músicos, principalmente dos seus alunos, sobre a importância de trabalhar a música brasileira, como o samba de raiz, o frevo, o maracatu, entre outros ritmos”, revela Pereira.

Grandes nomes da música pernambucana foram companheiros de estudo de Clóvis; entre eles, Sivuca, Jarbas Maciel e Capiba. O mestre Guerra-Peixe queria um sucessor que continuasse os estudos das obras nacionais e desse continuidade ao seu legado em Pernambuco. Essa tarefa ficou a cargo do jovem Clóvis.

Guerra-Peixe voltou para a sua terra natal, o Rio de Janeiro. Em meados de 1953, o maestro convidou Clóvis para trabalhar na Rádio Nacional de São Paulo. Porém, o músico declinou o convite, preferindo permanecer no Recife. Nesse espaço de tempo, Clóvis Pereira foi convidado a dirigir um programa radiofônico, com a participação de atores, músicos e orquestra. “Foi um grande desafio. Deram-me 20 dias para estudar e preparar tudo. No dia da transmissão, os meus companheiros de orquestra ficaram surpresos e vieram me cumprimentar por tudo ter dado certo. Isso me rendeu uma promoção e eu passei a ser regente e diretor musical da Rádio Jornal.

Tempos depois, a televisão chegava ao Recife, e os programas, anteriormente produzidos na rádio, ganharam as telas das TVs. Clóvis acompanhou a transição e começou a trabalhar no Canal 2, da TV Jornal do Commercio. Paralelamente, continuou suas lições de música e, na década de 1960, após ter estudado harmonia pura e contraponto com o padre Jayme Cavalcanti Diniz, foi convidado por ele para lecionar harmonia no 3º Curso Nacional de Música Sacra, patrocinado pela Escola de Belas Artes do Recife.

Em um dia de trabalho na TV Jornal, Clóvis foi indagado por um amigo sobre a possibilidade de ele fazer parte da Orquestra Sinfônica do Recife. O grupo já tinha um pianista e Clóvis não tocava nenhum outro instrumento de orquestra. Então, o amigo incentivou-o a aprender contrabaixo, pois, em sua opinião, era um instrumento de fácil aprendizado.

Os rumores sobre o desejo de integrar a Sinfônica do Recife se espalharam, chegando aos ouvidos do atual regente, Vicente Fitipaldi, que gostou da notícia. Clóvis começou a ter aulas de contrabaixo com um amigo e passou a frequentar os ensaios da Sinfônica para ver como era a dinâmica de um grupo erudito. No mês de setembro de 1964, começou a praticar o contrabaixo; em dezembro, entrou para a Orquestra. Nesse mesmo ano, foi convidado para atuar como professor de teoria musical e harmonia nas Universidades Federais do Rio Grande do Norte e da Paraíba.

AS PRIMEIRAS COMPOSIÇÕES - A primeira obra feita por Clóvis Pereira foi uma declaração de amor, escrita para a sua noiva, Risomar. A valsa de mesmo nome foi composta em 1954 para homenagear a companheira. Eles casaram em 1955 e tiveram quatro filhos.

O músico adorava a dinâmica de compor. Clóvis estava na Sinfônica havia três anos e cumpria o seu papel como contrabaixista. Sentindo a necessidade de elaborar obras para orquestra, dirigiu-se ao maestro da Sinfônica, Vicente Fitipaldi, e perguntou-lhe sobre a possibilidade de a Sinfônica tocar uma composição de sua autoria. A resposta positiva do regente incentivou-o a começar. Em dois meses, o músico deu vida à peça “Lamento e Dança Brasileira”. A música foi apresentada a Vicente Fitipaldi, que convidou Clóvis para regê-la durante um concerto da Orquestra Sinfônica do Recife.

No dia do concerto, o maestro Fitipaldi chamou o músico à frente da Orquestra. Clóvis saiu por entre os contrabaixistas, caminhou até o regente e segurou a batuta com segurança. A obra foi conduzida por seu autor, que sabia cada movimento de olhos fechados. A plateia aplaudiu de pé e pediu bis. A partir daquele momento, Clóvis sagrava-se como compositor.

A música foi bem recebida e obteve ótimas críticas. No mesmo ano, em 1967, ela foi regida em Porto Alegre, Sul do Brasil, e ganhou o 1º Festival Nacional de Arranjos para Coro Misto, patrocinado pela Universidade Federal da Paraíba. Posteriormente, em 1984, “Lamento e Dança Brasileira” foi gravada em disco e ganhou outros estados nacionais, como Rio de Janeiro e São Paulo.

CLÓVIS PEREIRA E O MOVIMENTO ARMORIAL - As performances do artista inseriram seu nome na produção musical pernambucana. Em 1971, Clóvis foi convidado a lecionar aulas no Conservatório Pernambucano de Música, ministrando as disciplina teóricas de harmonia, teoria e solfejo. Na mesma época, uma revolução mudaria a história da composição no Nordeste — entrava em cena o Movimento Armorial. As inquietações de Ariano Suassuna levaram à criação de uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste Brasileiro.

O Movimento Armorial surgiu sob a e direção de Ariano, com a colaboração de um grupo de artistas e escritores nordestinos. Por ser professor do Conservatório Pernambucano de Música e demonstrar interesse pelas aspirações do movimento, Clóvis foi convidado para compor e apresentar publicamente, em concerto, as suas primeiras obras da estética armorial.

Ao pesquisar sobre a música nacional, Ariano Suassuna achou um jingle, composto em 1951 por Guerra-Peixe, chamado “De viola à rabeca”. A melodia era curta e assemelhava-se ao que Ariano queria mostrar com a música armorial. Ansioso para transformar o jingle em uma composição completa, procurou Guerra-Peixe no Rio de Janeiro, com o objetivo de pedir uma autorização para reeditar a melodia. Segundo Ariano, em entrevista à TV Câmara do Recife em 2007, quando Guerra-Peixe soube que seria seu ex-aluno Clóvis o autor da recriação, não teve dúvidas. Disse, com convicção: “Nele eu confio”.

De viola à rabeca” transformou-se na célebre obra “Mourão”. A adaptação funcionou muito bem e até hoje é tocada por orquestras escolares e profissionais. É a obra mais tocada de Clóvis Pereira.

Atualmente, a obra é a música símbolo da Orquestra Criança Cidadã Meninos do Coque, no Recife. O trabalho do grupo orquestral mescla em seu repertório músicas populares e eruditas e busca inspiração em Clóvis Pereira, para manter viva a cultural nacional, sem perder o refinamento erudito. Para Nilson Galvão Jr., regente da Criança Cidadã, “Mourão” é uma das peças mais ricas, em termos de composição. “A peça tem uma sonoridade tão marcante, que se for tocada por um único músico, ou por uma orquestra completa, vai conseguir ser desenvolvida e escutada com perfeição. A melodia é única e inconfundível, além de se adaptar facilmente aos diversos instrumentos sinfônicos”, explica o maestro.

Nilson Galvão Jr. também reconhece a importância de ter por perto, no mesmo Estado, uma referência musical como Clóvis Pereira. “Ele é a nossa cultura viva. Como músicos brasileiros, temos que propagar o máximo as obras do compositor. Quando nos apresentamos fora do Brasil, em países como Alemanha, Itália e Portugal, por exemplo, levamos obras de Clóvis Pereira no nosso programa e elas sempre são ovacionadas pelo público”, completou Galvão.

No ano de 1977, o Departamento de Música da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) encomendou uma peça para o encerramento do ano letivo. Clóvis compôs “Grande Missa Nordestina” — primeira obra sacra em estilo armorial. A música foi escrita para coro e orquestra de câmara e, posteriormente, gravada em discos comerciais distribuídos para todo o país.

A CARREIRA ACADÊMICA NO EXTERIOR - O talento do instrumentista, compositor e regente foi levado aos Estados Unidos, em 1972. O Coral Universitário da Paraíba foi conduzido por Clóvis Pereira e apresentou-se como representante brasileiro nos Teatros Lincoln Center, em Nova York, e Kennedy Center, em Washington.

Em 1973, Clóvis assumiu a Direção Musical da Fábrica de Discos Rozemblit, em substituição ao Maestro Nelson Ferreira, de quem foi grande amigo. Na década de 1980, foi transferido da UFPB para a Universidade Federal de Pernambuco. Nesse momento, surgiu a necessidade de aprofundar seus conhecimentos na área acadêmica. No ano de 1983, de volta ao Brasil, foi convidado pelo então governador do Estado, Roberto Magalhães, para assumir o cargo de diretor-superintendente do Conservatório Pernambucano de Música, onde permaneceu por quatro anos.

Clóvis foi um dos maiores divulgadores do ritmo frevo no mundo. Excursionou várias vezes com sua orquestra de frevo pela Europa, Estados Unido e Japão. A convite do Governo dos
Estados Unidos, também participou, em vários estados norte-americanos, do programa cultural “Music School Administrators” (seminários para diretores de escolas de música).

No começo da vida musical, os cursos superiores de música no Brasil não eram reconhecidos pelo Ministério da Educação. Por isso, Clóvis decidiu estudar com maestros reconhecidos, que proporcionavam certificações válidas. A chance de ampliar seus conhecimentos no exterior apareceu em 1989, quando solicitou uma bolsa de especialização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A solicitação foi aceita e Clóvis fez o teste para o curso de Composição no Departamento de Artes da Boston University. “Eu cheguei com dois dias de atraso e, depois de conversar com a professora responsável, consegui fazer a prova. Obtive a maior nota e fui convidado a entrar no mestrado”, contou o músico.

Após algumas aulas, Clóvis demonstrava muita prática, impressionando os professores da universidade. O seu orientador de pesquisa explicou que muitas disciplinas do mestrado eram ministradas no doutorado e sugeriu que ele migrasse para uma titulação acima. O reitor da instituição aprovou a solicitação e Clóvis começou a frequentar algumas aulas no novo curso. “Para ficar no doutorado, eu tinha que saber dois idiomas. O meu inglês era bom, mas a outra língua obrigatória era o alemão. Eu decidi ficar só no mestrado mesmo, não tinha mais paciência para aprender outro idioma”, diz, entre risos, Pereira. A pesquisa de Clóvis Pereira para o mestrado englobou desde a composição tradicional até música eletrônica, feitas por instrumentos como violão e teclado. O curso durou dois anos e, em 1993, o artista voltou para o Recife. Continuou a lecionar na UFPE e manteve seu cargo na Orquestra Sinfônica do Recife, aposentando-se dois anos depois. Atualmente, Clóvis participa de alguns concertos pontuais, cuida de seu animal de estimação – a gata Beleza –, e recebe homenagens de instituições de ensino e representantes do Poder Público.

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